“O Castanheiro de Vales – Árvore do Ano” é um trabalho da autoria de Jorge Lage, licenciado em História pela Universidade do Porto e habilitado com o curso de Museologia da Universidade Católica. O estudo, publicado na Revista Aquae Flaviae, (Nº 60, Julho 2020), está enquadrado na marcante temática da castanha e do castanheiro, muito tratada e aprofundada em numerosas obras pelo autor.
![](http://castanheirodevales.pt/wp-content/uploads/2020/09/Aqua-Flavie-715x1024.jpg)
“Ainda hoje encontro pessoas a que o castanheiro como árvore pouco lhe diz. Para olharmos para esta árvore tão amiga do homem, ao longo de séculos e milénios da civilização ocidental, é preciso conhecer um pouco mais do que saber que a castanha se compre no tempo no mercado, que as castanheiras que povoam locais estratégicos das cidades as anunciam «quentinhas e boas».
A castanha é fruto do Castanheiro (castanea sativa) que compreende 12 espécies na região temperada do Hemisfério Norte, sendo os principais: o «Sativa» ou europeu; o «Crenata» que se estende pelo Japão. Coreia e parte oriental Norte da China; o mollissima na China; e o «Dentata» na costa Leste dos EUA. O tamanho das castanhas, pela ordem decrescente, são: europeia, japonesa, chinesa e americana.
A espécie «castanea sativa» (Castanheiro Europeu) estende-se, pelo paralelo 40 de latitude Norte, da Península Ibérica até ao mar Cáspio e montanhas do Cáucaso e da Europa Central ao Norte de África (Tunísia e Argélia).
No ano do Castanheiro foi-me lançado o desafio que é a região do Alto Tâmega e Barroso ter no seu seio o maior castanheiro vivo de Portugal, medindo o seu perímetro de tronco à altura do peito (PAP), isto é, a 1,50 ou 1,60 metros.
MIGUEL TORGA (1944) refere-se aos castanheiros seculares, para reforçar a sua longevidade de séculos, como sendo “da idade do mundo”. Ainda vão aparecendo imponentes castanheiros com mais de 400 anos. Como diz o povo: 300 anos a crescer, 300 anos a ser e 300 anos a morrer.
Há cerca de uma dúzia de castanheiros classificados e vivos e referências a um pouco mais aos que estão mortos ou já desapareceram. O maior de todos os tempos, registado em Portugal, o «Castanheiro da Serra da Gardunha» (Alcongosta — Fundão) ou «Taloca das Almas», seria do início da nossa nacionalidade e tinha em 1903 18 m de PAP. Terá desaparecido, por 1920, há um século devido a um raio. Na toca do seu tronco caberiam 106 homens distribuídos por dois pisos. Segundo a crença, ali se abrigavam as almas penadas que não tinham guardado os dias santos ou outros rabos da consciência cristã (LAGE, 2016).
Há muito, muito tempo que o monumental Castanheiro de Vales contempla os movimentos das gentes de Vales e outrora outros que demandam o Planalto de Jales em busca do pão gemido nas minas d’ouro. Assistiu a algumas das movimentações de tropas ao longo dos séculos, ao repicar dos sinos das redondezas nos baptizados, festas e romarias, foi observando os toques de sinais dos que partiam.
É «o mais Velho» morador de Vales e de Trás-os-Montes. Tem saudades dos antigos habitantes que lhe agradeciam a sua generosidade e o veneravam. É quase certo que alguns lhe terão implorado remédio e cura em tempo de grandes de mortandades e de guerras. O Castanheiro de Vales e em especial d’«O Castanheiro de Vales» foi considerada a Árvore do ano em Portugal, devido à família Marques, de Vales se ter interessado por este gigante vegetal.
Tudo começou numa Feira do Cabrito, da Castanha e dos Cogumelos, em Vila Pouca de Aguiar, há uns catorze anos, quando o Fernando Marques, então Presidente da Junta de Freguesia de Tresminas, que acabava de conhecer e me diz: — gostava que visse um grande castanheiro na minha terra.
Disse-lhe que passava, muitas vezes, na estrada nacional 206 (Vila Pouca — Valpaços) e um dia faria um desvio para o ver.
Passados meses a oportunidade surgiu quando o estômago reclamava o almoço e pensei com os meus botões que aos Vales devia ser um pulo mais à frente e nuns curtos minutos já estaria a seguir viagem.
Mas, à medida que avançava pela estrada municipal parecia que esta esticava, até que cheguei a Tresminas e me indicaram o caminho de Vales.
Lá tive que encontrar alguém, espreitando aqui e ali numa aldeia quase deserta. Uma alma ajudou-me e chamou pela Fernanda, esposa do Fernando, a quem expliquei ao que vinha, a pedido do marido e lá foi o Manuel (Domingos) guiar-me, por uma canada, até ao castanheiro.
O momento do encontro foi solene, já que estava perante um venerável ancião. Era imponente e avancei extasiado pela propriedade balouta. Toquei-lhe com afago no vetusto tronco e admirei a majestosa copa. De cabeça erguida, fui mirando e remirando a sua envergadura.
A máquina digital remexeu-se para que registasse o momento e peço ao Manuel cumplicidade no testemunho do acto.
Tiradas as fotografias, lanço-lhe um olhar de adeus e, seriam duas horas da tarde quando regressámos, ao pátio da casa onde a Fernanda tinha uma mesinha sob uma pequena toalha, uma caneca de barro de Barcelos e uma faca. Sem mais rodeios tira um folar da boca do forno e diz-me: – agora não vai embora sem comer do nosso folar, que já é tarde e deve estar com fome. Acto contínuo parte um carolo quentinho e eu não me fiz rogado, porque a fome falava mais alto.
Mais tarde. o Fernando confessa que o rendeiro azedava quando via alguém dentro da propriedade. Assim, não se podia classificar o castanheiro de «árvore de interesse público». O Fernando não se deu por vencido e decidiu comprar a propriedade, residindo o proprietário em Matosinhos.
Um dia telefona-me e dá-me conta do avançado das negociações: – Senhor Doutor, o negócio está bem encaminhado. Aconselhei-o a não aumentar a oferta de compra: – Senhor Fernando, não lhe ofereça mais porque a propriedade é capaz de não valer mais.
Passado algum tempo telefona-me muito satisfeito: – Senhor Doutor, o castanheiro já é meu. Já o podemos classificar.
Contactado o Eng. Andrada da ex-DGF (actual ICNF) iniciou-se o processo de classificação. O processo de «Classificação do Castanheiro de Vales de interesse Público» deu-se pelo «Aviso n.º 6, de 07-03-2008». entrando para a galeria das árvores notáveis e uma das maiores de sempre, com o PAP de 14,20 metros e 21 m de altura e produz, por safra, cerca de 250 quilos de castanhas das variedades Longal e Côta.
É o terceiro castanheiro maior de sempre de Portugal e o maior castanheiro português vivo, seguido de perto pelo «Castanheiro da Guerra», em Anta, concelho de Penedono, com menos 20 cm.
O «concurso de árvore do ano 2020 em Portugal» foi ganho pelo «Castanheiro de Vales», entre dez candidatas e organizado pela UNAC – União da Floresta do Mediterrânica, sendo motivo de orgulho para todos.
A entrega do prémio ocorreu na manhã de 14 de Fevereiro, sendo entregue pela Eng.ª Leonor Matias, em representação da UNAC e mereceu destaque a Doutora Raquel Lopes, académica e proponente da candidatura do Castanheiro de Vales. Estavam ainda entidades das principais instituições públicas e associativas do sector arbóreo e agrícola, cabendo-nos urna comunicação de fundo.
Estes momentos acabam sempre por dar lições vindas de onde menos se espera. Soubemos, por um lisboeta radicado na Áustria, admirador de árvores monumentais, que, perto de Viena (Áustria), há um castanheiro gigante, com 14,10 m de PAP, e que os austríacos dizem ser o maior da Europa. Mas, afinal não é! O Castanheiro de Vales com 14,20 m (em 2008) bate-o por 10 cm. O Castanheiro de Vales será assim o maior da Europa, se não aparecer nenhum outro, havendo na Suíça alguns de grande porte.
Os suíços estimam as suas árvores e nem daqui a um século poderemos ombrear com eles em sentimentos dendrófilos.
Nesta manhã de louvor do castanheiro, sou abordado por um ex-emigrante na Suíça, já reformado nos Vales, dando-nos uma lição de estatura cívica.
Informou que a determinada altura teve que se construir uma via exterior de uma cidade e num curto troço colocou-se o dilema: ou se encostava mais a via à cidade e tinham que sacrificar treze árvores de avultado porte, ou se alargava mais para o exterior e destruíam-se três vivendas. Em Portugal não se colocaria nenhuma dúvida quanto ao traçado da via. A vocação dendricida da maioria, infelizmente, ordenava de imediato o abate das árvores, nem que fosse urna mata ou parque arbóreo iria tudo abaixo.
Mesmo não interferindo com nada são barbaramente cortadas em vez de podadas. Não se pensa no bem-estar e saúde dos cidadãos, na frescura em plena canícula e na biodiversidade.
Mas, o emigrante questionou os responsáveis: — porque é que não se cortam as treze árvores e poupam as três vivendas?
A resposta foi sábia e demonstra uma cultura superior: — as vivendas fazemo-las iguais num ano, mas árvores como estas são precisas muitas décadas e se tudo correr bem. Hoje, o Castanheiro de Vales atrai muitos turistas e turistas culturais ao Alto Tâmega. vindos dos mais diversos pontos do país e do exterior. Já algumas amigas se desviaram da rota prevista para contemplar e admirar o Castanheiro mais Velho da nossa região.
Parabéns à família Marques (Fernando, Fernanda. Ernesto e Duarte), de Vales, por serem a chave do sucesso nesta bela história de amor. “
Jorge Lage, 16 de Maio de 2020. Revista Aquae Flaviae, Nº 60 Julho 2020